A Igreja Perseguida

Nos últimos anos, a minha atenção foi cativada por um segmento do Corpo de Cristo que tem sido chamado de Igreja sofredora. Trata-se daqueles que, por serem cristãos, foram sequestrados e sobre eles nada se sabe. Dos encarcerados nas mais diversas formas (domiciliar, pública, social, emocional etc.), dos deslocados de suas terras e casas, dos preteridos de professarem abertamente a sua fé e, ainda, daqueles que sofrem pela exclusão social ou pela angustiante miséria. É chocante notarmos que um em cada três cristãos no mundo de hoje sofre algum tipo de perseguição, e cerca de 120 milhões habitam em regiões onde há perseguição hostil.

Não podemos fechar os olhos, nem o coração, para esta Igreja que vive e sofre.

O sofrimento não é novo na história do povo de Deus. Em Atos capítulo 8, a Igreja que amava a Jesus e se ajuntava em Jerusalém passou por uma de suas mais fortes provações. No primeiro verso desse capítulo, Lucas nos diz que a Igreja era “perseguida”, utilizando aqui um vocábulo grego – diogmos – que significa um forte e visível ataque. Indicava que o sofrimento da Igreja nesta época de dispersão era perceptível por todos. Homens e mulheres eram mortos, outros encarcerados, famílias partidas ao meio e aqueles que conseguiam fugir deixavam para trás suas vidas e história. Essa “perseguição” era, portanto, um terrível sofrimento físico, visível e violento. No segundo verso, Lucas nos diz que a Igreja “pranteava” a morte de Estêvão. O autor, inspirado, escolhe a expressão grega kopeton, que significa a dor da alma, ou bater no peito para expressar esse pranto. Mostra que a Igreja se melancolizava pelo caos ao seu redor e, assim, não havia apenas dor no corpo, mas também na alma. A Igreja chorava de forma visceral a morte de Estevão, e tantos outros, sofrendo tanto física quanto emocionalmente. No terceiro verso, somos levados a ler que Saulo “assolava” o povo de Deus, utilizando-se aqui a expressão elumaineto, que possui a mesma raiz da usada em João 10:10, ligada à destruição da fé e das convicções quando se refere àquele que veio roubar, matar e destruir. Trata-se de um sofrimento espiritual quando os alicerces das convicções mais profundas são atacados.

Estes três níveis de sofrimento descritos em contexto de perseguição em Atos 8 (físico, emocional e espiritual) podem muito bem ilustrar as vias de dor da Igreja ao longo de sua história, bem como nos dias de hoje. Deve ensinar-nos que: (1) seguir a Cristo – e mesmo fazê-lo com devoção e fidelidade – não isenta o crente do sofrimento; (2) em meio a esses sofrimentos não estamos sós, pois maior é Aquele que está em nós; (3) o sofrimento é uma oportunidade de se alicerçar a fé – daquele que é provado no dia mau – e de expressar amor e sincera solidariedade – por parte daquele que pode estender a mão.

A Coréia do Norte apresenta a mais intensa intolerância religiosa no mundo de hoje e por sete anos se destaca em primeiro lugar na Classificação de Países por Perseguição editada pela Portas Abertas Internacional. Encontros cristãos são proibidos e somente realizados sob alto risco e custo. Há pouquíssimas bíblias no país e, assim, poucos cristãos com seu próprio exemplar da Palavra de Deus. Há, no momento, cristãos encarcerados e tantos outros sequestrados, na Argélia, Azerbaijão, Eritréia, Iêmen, Indonésia, entre vários outros países. No Irã, a Missão Voz dos Mártires notifica a forte intimidação sobre aqueles que professam sua fé em Jesus. À medida que a Igreja cresce, também cresce a perseguição. Na década de 90, muitos líderes cristãos foram assassinados. A Eritréia passa pela época de mais intensa perseguição religiosa em sua história. A distribuição de Bíblias não é permitida e em 2002 todas as igrejas evangélicas foram fechadas por ordem governamental. Cerca de dois mil cristãos foram presos por se reunirem para louvar a Deus. Muitos são mantidos em condições subumanas, celas subterrâneas ou containers de metal. No Egito, um recente relatório sobre os direitos humanos apontou para a perseguição semivelada dirigida aos 80 milhões de cristãos coptas que não conseguem permissão para construir igrejas ou orar em casa. Acontecem cerca de quatro ataques por mês contra os coptas no país, e 144 ataques já foram registrados em 2009. No Iraque, milhares de cristãos continuam a fugir da violência, tanto em Bagdá quanto em Mosul, deixando para trás suas casas a procura de refúgio no Curdistão e outras áreas de fronteira. Os cristãos no Iraque, que eram 1.4 milhões em 1987, não passam hoje de 500 mil. Esses cristãos deslocados enfrentam severa provação, pois se encontram em solo estranho sem emprego, carreira, dinheiro ou amigos. No norte da Índia, a perseguição contra os cristãos deslocou um grande número de pessoas que ainda não puderam voltar para suas casas. Igrejas foram queimadas e prevalece o sentimento de insegurança. Apenas na região de Karnataka foram registrados 56 ataques ao longo de 2009 contra igrejas e cristãos.

As restrições para partilhar de Jesus atingem os mais diversos países e áreas. Transitam desde algumas reservas indígenas da Amazônia, passando pelo Norte da Nigéria até o distante Afeganistão. Devemos orar e trabalhar para que: (1) Cristãos ao redor do mundo recebam exemplares da Palavra de Deus; (2) Os países e regiões onde há clara perseguição cristã possam experimentar abertura política, social e religiosa; (3) Cristãos sob perseguição sejam encorajados, e aqueles sob intensos ataques sejam fortalecidos no Senhor; (4) Sejam libertos os que, sob perseguição, foram encarcerados ou sequestrados; (5) Cristãos deslocados sejam apoiados para recomeçarem a vida em novas regiões; (6) O testemunho dos perseguidos possa guiar muitos aos pés do Senhor Jesus; (7) A Igreja livre possa juntar-se em um só espírito àquela que sofre perseguição. Em um país da Ásia central, vi recentemente irmãos que amam a Jesus colocando suas vidas, famílias, carreiras e reputação em risco, alto risco, para testemunharem do amor do Pai. É necessário nos juntarmos a eles para chorar com os que choram e encorajá-los a seguirem este caminho estreito, que os leva à Alegria que se renova pela manhã.

Ronaldo Lidório, é pastor presbiteriano e missionário ligado à Agência Presbiteriana de Missões Transculturais (APMT) e à WEC Internacional. Atuou por nove anos no noroeste africano, entre o povo konkomba-bimonkpeln, como plantador de igrejas e tradutor do Novo Testamento. Acesse: ronaldo.lidorio.com.br

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